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quarta-feira, 31 de outubro de 2018

É PRECISO RESISTIR, PROPOR E AGIR



É preciso mais Paulo Freire e menos Mark Zuckerberg
Foto: Filipe Peres



Por Daniel Cara

Alguns dias depois do segundo turno, partidos e líderes da centro-esquerda e da esquerda batem cabeça sobre o protagonismo pós-eleitoral. Insistem em repetir os mesmos erros.


Como ensina Pepe Mujica, líder político e ex-presidente do Uruguai: “não há vitória definitiva e nem triunfo definitivo”.

Agora é a hora de aprendermos com nossos erros para recomeçar, trilhando novos percursos. Nesse momento, o pior caminho para a esquerda é assumir uma postura arrogante diante da vontade das urnas.

As eleitoras e os eleitores decidiram, esse é o fato. Um fato legítimo. Assim é a democracia.

Não tenho dúvida de que as "fake news", o Caixa 2 e outros abusos influenciaram o voto. Inclusive, temos o dever de exigir uma apuração rigorosa dos prováveis crimes eleitorais. Mas também é fato que as eleitoras e os eleitores compareceram às sessões eleitorais e manifestaram sua posição; infelizmente, diferente da nossa.

Há algo maior a ser analisado: as campeãs e os campeões de votos, tanto nas eleições majoritárias quanto nas proporcionais, foram aqueles e aquelas que surfaram nas ondas, nas polêmicas, e deixaram de lado a questão fundamental das eleições gerais: a necessidade de governar o país de forma honesta, justa e competente.

A política está reduzida ao caos dos grupos de WhatsApp e às _timelines_ do Facebook e do Instagram. E não pode ser assim. Ela precisa ser a arena de debate sobre as questões nacionais, o exercício do governo e a ampliação e qualificação da participação democrática.

Em um Brasil polarizado e em grave crise econômica, políticos e eleitores precisam perceber que insistir na provocação, no grito, na estridência e na catarse alivia as angústias, até faz surgir mártires (de direita e de esquerda), mas não resolve os problemas reais do povo: a desigualdade social, o desemprego, a violência, a falta de acesso à saúde, a baixa qualidade da educação, o racismo, o machismo e todas as demais mazelas do país.

Quando muito, o caminho vazio do oportunismo elegerá alguns políticos progressistas e muitos políticos conservadores, pois o debate público ralo e medíocre é o terreno propício para o (neo)conservadorismo e sua autoverdade.

Portanto, é necessário elaborarmos e discutirmos programa, além de demonstrarmos desejo e capacidade de governar em prol de todo o país. Em outras palavras, em nome da busca desesperada por votos, a esquerda não pode se reduzir à polêmica infértil, procurando imitar ou responder às atitudes toscas de políticos e movimentos ultraliberais e ultraconservadores.

Para reconstruir o campo progressista (ou o campo da cidadania) é preciso fazer formação política, elaborar propostas consistentes e debater com as pessoas, mostrando que é possível transformar o Brasil: com prosperidade econômica, sustentabilidade ambiental e justiça social.

É também preciso construir novos canais e veículos de comunicação, menos pautados em memes e na "lacração" e mais dedicados ao diálogo franco e pedagógico. Em outras palavras, é preciso mais Paulo Freire (pedagogo defensor do diálogo como método) e menos Mark Zuckerberg (criador e fundador do Facebook, proprietário do Instagram e do WhatsApp).

Mano Brown foi certeiro: é necessário fazer trabalho de base, ouvir as pessoas e olhá-las nos olhos. A boa notícia é que as sementes já foram lançadas: mulheres e homens foram espontaneamente às ruas para “virar votos”, sem filiação partidária ou identidade com partidos e/ou candidatos. Foram exercer sua cidadania com convicção, em defesa da democracia, apenas isso. E tudo isso.

Acompanhei de perto alguns desses grupos: cidadãs e cidadãos produziram seu próprio material, com sua própria estética e linguagem. Foram a terminais de ônibus e outros locais de grande circulação, mobilizados por uma fé genuína na democracia e na justiça social. Deram uma lição democrática: é possível exercer plenamente a política de forma autêntica e espontânea.

Agora é hora de fazermos oposição programática aos governos de Jair Bolsonaro e de seus aliados, fazendo uso pleno de nossos direitos civis e políticos. Esse é o nosso papel. A Constituição Federal está acima de todas e de todos nós: governantes eleitos, opositores, cidadãs e cidadãos. Resistir é fundamental, mas também é necessário construir novas formas de agir politicamente, apresentando alternativas de políticas públicas eficientes, eficazes e efetivas. Mais do que nunca, precisamos trabalhar. E nisso somos muito melhores.

À lida e à luta! A luta é a lida.

Daniel Cara é educador e cientista político. Foi candidato pelo PSOL ao Senado Federal por SP com 440.118 votos. É coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

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