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sábado, 13 de fevereiro de 2021

Padre Ticão - O homem certo no lugar certo


Por: Celso Correia da Silva Júnior

Lucas 4:18-19  “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor.”

              
 
No dia 01/01/2021 faleceu Antonio Luiz Marchioni, mais conhecido como Padre Ticão, sacerdote conhecido na Zona Leste de São Paulo, capital, pelas lutas populares por saúde, moradia, entre outras. Pe. Ticão ainda era o principal animador e articulador da Missa do Trabalhador realizada no dia 1º de Maio no largo que tem o nome do feriado. Momento de reflexão, à luz do evangelho, sobre a realidade da classe trabalhadora. Na década de setenta essa mesma comemoração era realizada sob tutela e participação dos representantes do exército em plena ditadura militar com um misto de ambiente festivo normal e ufanismo.  A paróquia de trabalho do Pe. Ticão, São Francisco de Assis, no bairro de Ermelino Matarazzo, é o epicentro que irradia para aquela região a mensagem de Jesus e os projetos que a tornavam reais na vida das pessoas.

              A Zona Leste de São Paulo, assim como as grandes periferias urbanas, caracteriza-se por renda média populacional baixa aliada relações de trabalho caracterizadas pela informalidade e precariedade e, por consequência, alijadas, em quase sua totalidade, das proteções previdenciárias. Densidade demográfica alta, presença de muitas favelas/comunidades, carência de infra-estrutura urbana cidadã (saneamento básico, escolas, centros culturais, etc) são outras marcas dessa região. Apesar disso convive com pequenos nichos urbanos privilegiados onde residem uma pequena classe média absorvida por setores modernos/dinâmicos da economia que oferecem salários/rendimentos de maior remuneração na área de serviços, comércio e da enfraquecida e remanescente indústria. Alguns dados do ano 2000 apresentados pela própria Prefeitura de São Paulo indicam tal situação. O analfabetismo nas favelas é mais que o dobro do conjunto da cidade (15,33% contra 7,37%) e o número de chefes de família com apenas três anos de estudo chegaram a 38,39%. A renda dos chefes de família para o mesmo ano nesses mesmos locais de 0 a 1 salário mínimo era de 29,79% e de 1 a 3 salários mínimos de 43,42%. Na cidade mais rica da América Latina morar na periferia, no bairro Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo resulta, segundo o Mapa da Desigualdade de 2018, ter expectativa de vida por volta de 58 anos.

              Nessa região ocorre também a expansão territorial do movimento sócio-religioso neopentecostal caracterizado por ser conservador nos costumes, ter um discurso teológico simplificado e, ao seu modo, constituírem-se em espaços difusores do pensamento neoliberal como chave de leitura da realidade econômica e de propositura de soluções individuais-empreendedoras-meritócráticas como meio de superação das dificuldades pessoais mais imediatas como falta de alimento, moradia, vestuário outras consideradas também como individuais – transporte: ter um carro; saúde: ter convênio médico; educação: pagar escola particular. Alguns estudiosos consolidam o leque dos aspectos desse movimento na expressão Teologia da Prosperidade. Paralelamente a essa expansão territorial esse movimento tem buscado influenciar a política elegendo para os mais diversos cargos membros que carreguem a bandeira do movimento para dentro dos espaços de formulação de leis e políticas públicas, muitas vezes atropelando a laicidade do Estado.

              É nesse contexto social, político e religioso que trabalhava Pe. Ticão. O homem certo no lugar certo, à luz da Teologia da Libertação. Uma poderosa maneira de ser igreja de Jesus utilizando ferramentas de leitura da realidade social-política-econômica dos dias atuais capazes de questionar e propor mudanças estruturais de vida em sociedade capazes de cessar a exploração, a exclusão e devolver a dignidade humana, sobretudo, aos mais pobres, aos aflitos, aos sem nada. Faz parte dessa mesma linhagem de ser igreja do Pe. Ticão alguns religiosos e teólogos de peso como Dom Oscar Romero, Jon Sobrino, Carlos Mesters, Ruben Alves, Hugo Assmann, Leonardo Boff, Ivone Gebara, Enrique Dussel (elaborou também a Filosofia da Libertação), Frei Betto, Gustavo Gutierrez, José Comblin, Dom Pedro Casaldáliga e Dom Tomás Balduíno.

              Eu nasci em Ermelino Matarazzo. Eu e minhas irmãs fomos batizados na igreja São Francisco de Assis. Minha mãe é moradora no bairro e compareceu com minha irmã caçula no velório do Pe. Ticão. Para encerrar essa homenagem póstuma do Blog o Calçadão ao Pe. Ticão deixo as palavras de ambas a seguir. O nome da minha mãe é Maria e da minha irmã é Cibelle.

Calçadão – Qual a idade da senhora?

Maria – 71

Calçadão – Qual é a sua história com a Paróquia São Francisco de Assis?

Maria – Frequentava as missas desde solteira, ainda na época do Pe. Inácio. Fiz primeira comunhão e crisma, lá. Casei e batizei meus três filhos nessa igreja.

Calçadão – Quando a senhora ouve Pe. Ticão, qual lembrança ocorre primeiro?

Maria – Ele celebrando a Missa do Trabalhador no Largo Primeiro de Maio. Muita gente. Muito bonito. Às vezes vinha políticos até de helicóptero para participar da missa. Era um padre muito querido.

Calçadão – Quais trabalhos do Pe. Ticão mais marcaram o povo?

Maria – Primeiro lugar, moradia, com ocupação, construção. Ele lutou muito, com vários abaixo-assinados para a construção da USP-Leste e do Hospital de Ermelino Matarazzo. Estava tentando uma Fatec, mas não sei como está, se conseguiu.

Calçadão – A senhora sabe das polêmicas sobre a maconha e o aborto?

Maria – Parte do povo “caiu matando”, mas ninguém sabe explicar direito.

Calçadão – A senhora esteve no velório. Como foi?

Maria – A igreja estava lotada. Ele recebeu muitas homenagens. Tinha muita gente com a camiseta daquele movimento de moradia (MTST).

Calçadão – A senhora já ouviu falar da Teologia da Libertação?

Maria – Já, mas não sei explicar. Tem uma colega que participa mais da paróquia que me falou e sabe mais sobre isso.

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Calçadão – Cibelle, você esteve com sua mãe no velório do Pe. Ticão. O que você viu, presenciou, sentiu?

Cibelle – Então, eu não conheço o trabalho dele e nós chegamos perto do final, mas eu fiquei super emocionada. Eu chorei de emoção de ver a igreja cheia. Eles estavam fechando o caixão e um senhor de idade, negro, começou a falar “Ticão, Ticão” e aí as pessoas começaram a falar o nome dele, a aplaudir, muita gente chorando, então você vê que ele era muito querido mesmo pela comunidade. Eu não vi, mas o pessoal disse que o Suplicy foi até lá também. Então você vê que é um pessoal da militância, que trabalha pelo povo mesmo. Eu fiquei emocionada também porque eu lembrei muito da Lapa (Paróquia bom Jesus da Lapa no bairro Campos Elíseos em Ribeirão Preto). Eu lembrei da minha formação, como a Lapa foi importante, da minha participação, da sua, da Cilene (outra irmã). Eu cresci lá então eu lembrei muito disso, do Pe. Chico, do Pe. Estevão (padres belgas responsáveis pelas Paróquias Santa Terezinha e Bom Jesus da Lapa em Ribeirão Preto). Então foi isso que me emocionou, essa igreja que milita pelo povo, essa igreja que é ação.

 

Celso Correia - amigo do Blog o Calçadão.

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