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terça-feira, 18 de agosto de 2015

Por que não discutir gênero e diversidade sexual na escola?

O Plano Municipal de Educação, PME, está prestes a ser votado na Câmara dos Vereadores de Ribeirão Preto. Conforme relatado aqui anteriormente, trata-se de um plano ambicioso fruto de intensas e calorosas discussões ao longo dos últimos meses. No entanto, assim como aconteceu com o Plano Nacional de Educação, PNE, existe uma pressão muito grande de movimentos de grupos religiosos para que a questão do gênero seja suprimida do texto.

No PNE, aprovado o ano passado pela Câmara dos Deputados, em Brasília, constava:
“Art. 2 - São diretrizes do PNE:
[...]
III. a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”.
Esse texto foi substituído por outro
“Art. 2 - São diretrizes do PNE:
[...]
III. superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação".

A partir dessa pequena mudança, outras partes do texto (estratégias para que a metas sejam atingidas) foram refeitas. Trata-se de uma pequena mudança em termos de linguagem, mas com um grande significado. No primeiro texto torna-se explícito que gênero e orientação sexual são fatores de desigualdade educacional (e social) e, portanto, superá-los faz parte de uma educação para o exercício pleno da cidadania. Já o trecho modificado deixa implícitas as formas de discriminação que devem ser superadas e, devido às modificações no restante do texto, parece que as questões de gênero e orientação sexual não fazem parte daquelas que devem ser superadas.

Esse movimento de suprimento das questões de gênero e diversidade sexual nos planos de educação tem acontecido em todas as esferas e em inúmeros municípios sob forte pressão de grupos religiosos muito bem organizados (a bancada da Bíblia) e com forte influência política (um fiel = um voto) sobre alguns agentes públicos que temendo a repercussão negativa nesses grupos acabam por ceder à pressão. Da mesma forma, esse movimento também tem servido de plataforma política para alguns líderes religiosos (os deputados e vereadores pastores) que se aproveitam da ocasião para se autopromoverem pautando as suas decisões políticas pelas suas próprias convicções religiosas jogando pelo ralo o ‘Estado Laico’. É nesse contexto que o PME de Ribeirão Preto será votado.

O PME/RP faz 18 menções a palavra gênero. Grande parte delas é ligada a formação dos educadores para que possam principalmente lidar melhor com essas questões na escola. Cabe lembrar que grande parte dos educadores e funcionários das escolas não estão bem preparados para lidar com estas questões, mesmo porque eles foram formados em outros tempos em que tais questões eram omitidas e negligenciadas. No entanto, com o passar dos anos, estas questões foram emergindo e, portanto, é fundamental que eles sejam formados para lidar com elas. Trata-se de fato de uma educação que preza pelo respeito ao educando que preza pelo respeito à diversidade e não que faça propaganda em favor de alguma forma de exercício da sexualidade (como muitos grupos argumentam por ae).

Defender a manutenção das questões de gênero e diversidade sexual no PME é fundamental. Por outro lado, é preciso tomar muito cuidado para não cair no jogo de certos políticos e religiosos e alimentar os holofotes que eles querem para si. 

Enfim, por que não discutir gênero e diversidade sexual na escola? Não há motivos para não discutir. Se queremos uma sociedade mais justa, se queremos acabar com a desigualdade educacional e social e se, de fato, queremos erradicar todas as formas de discriminação, devemos começar a discutir tais questões na escola e, para isso, devemos preparar nossos educadores para tal. Omitir tais questões do PME é legalizar o negligenciamento da discriminação, da desigualdade educacional e social e da evasão e repetência de certos grupos de pessoas já há muito tempo é tão vulnerável. 

Ailson Vasconcelos da Cunhaprofessor e doutorando. Um eterno aprendiz.

Meções do PME/Ribeirão Preto à palavra Gênero
"Assim sendo, foi adotada, no contexto educacional, uma série de dispositivos que visam à proteção e à promoção de direitos de crianças e adolescentes, o que inclui as temáticas de identidade de gênero e orientação sexual na educação. O trabalho com a orientação sexual dispõe-se a redimensionar a prática pedagógica, legitimando e balizando o papel do educador para que abranja Plano Municipal de Educação de Ribeirão Preto o tema em sua complexidade, contribuindo, desse modo, com a aprendizagem e construção de novos conhecimentos, pautados no respeito a uma sociedade pluriétnica, pluricultural e multirracial". P04
1.3.9. Incluir formação para gestores, professores e demais profissionais da área a respeito das temáticas: relações étnico-raciais e culturais, sexualidade e gênero. P11
1.3.12. Elaborar e atualizar os projetos pedagógicos das escolas, a partir da revisão da política e das orientações curriculares da educação infantil, contemplando as temáticas étnico-raciais, sexualidade e gênero conforme estabelecido no item anterior, envolvendo os diversos profissionais da educação, bem como os usuários. P 11
2.3.21 Garantir a participação dos professores na escolha e aquisição de materiais didáticos e paradidáticos, coerentes com o projeto pedagógico da escola, considerando os alunos com necessidades educacionais especiais (NEE) e as temáticas que envolvem as relações étnico-raciais, as questões de gênero e orientação sexual. P23
3.4.18. Garantir nos currículos escolares conteúdos sobre sexualidade; diversidade quanto à orientação sexual e relações e identidade de gênero, por meio de ações colaborativas intersecretarial, dos Conselhos Escolares e sociedade civil. P31
3.4.19. Estabelecer estratégias para a elaboração e avaliação das diretrizes municipais para a Educação em Sexualidade e Gênero e sua implementação. P.31
3.4.20. Oferecer cursos e oficinas permanentes aos professores e funcionários como forma de superação do preconceito sobre sexualidade, diversidade quanto à orientação sexual, relações de gênero e identidade de gênero. P31
3.4.21. Proporcionar aos profissionais da educação e outras lideranças na área, possibilidade de participação em eventos para intercâmbio e troca de experiências na área de Gênero e Diversidade Sexual.p31
5.3.29. Garantir no currículo da educação integral conteúdos sobre sexualidade, diversidade sexual, relações de gênero, por meio de ações colaborativas intersecretarial, dos Conselhos Escolares, equipes pedagógicas e sociedade civil, estabelecendo estratégias para a elaboração e avaliação das diretrizes municipais para a Educação em Sexualidade e Gênero e sua implementação em diálogo com o Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual.p.55
6.3.7. Incentivar a construção pelos poderes públicos de propostas político-pedagógicas considerando os aspectos etários, geracionais, etnicorraciais, de gênero e alunos com necessidades educacionais especiais da EJA, visando a garantir o direito à escolarização. P.61
8.3.12. Promover fóruns de discussão sobre as diretrizes dos cursos de formação inicial e continuada dos professores, com o objetivo de incluir a abordagem de temas relativos a: gênero, educação sexual, ética, justiça, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde, questões étnico-raciais e dos movimentos sociais, atendimento à diversidade e temas locais, bem como conteúdos atitudinais.p. 69
8.3.17. Dialogar com as instituições de Ensino Superior no sentido de incentivar a criação de disciplinas e ou cursos que abordem a temática das relações étnicos raciais, de gênero e de orientação sexual. P70
8.3.18. Estimular e apoiar iniciativas para o envolvimento das IES em fóruns de discussão e ações formativas sobre diversidade cultural étnico racial e de gênero. p.70
No que se refere à participação dos gêneros, conforme Tabela 1.2, a população ribeirãopretana é predominantemente feminina. Em 2014, para cada 100 mulheres, havia 97 homens (SEADE, 2014). Tabela 2 - População por gênero, segundo grupos de idade, para a região administrativa de Ribeirão Preto, no ano de 2014. P.97 

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