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domingo, 2 de abril de 2017

O Ambiente Escolar



Por   S.A Carolinna Martins

Analisando alguns contextos escolares em instituições publicas periféricas de Ribeirão Preto, pude notar a exclusão social e o apagamento da identidade cultural/social e a construção da imposição de gênero sobre os  sujeitos. Como pedagoga, passei por varias escolas de contextos e corpos estruturais diferentes, porém semelhantes no lidar machista e preconceituoso. 

Sem fazer menções especificas ou pontuar nomes, por uma questão ética, exponho aqui o que encontrei nesses cenários de formação. Basicamente, no geral, as escolas contam com murais de recados e espaços para a exposições de trabalhos dos alunos que, em suma, encontravam-se vazios, apresentavam ambiente pobre em portadores de textos, tanto nos corredores quanto nas salas de aula. A presença massiva de estereótipos de gênero e traços europeus é muito marcante. Os ambientes de utilização escolar como, por exemplo, banheiros, salas de aula e refeitórios, são indicados com bonecas e bonecos, confeccionados em panos, papel cartão ou EVA . Para indicar o sexo feminino, utiliza-se uma boneca de vestido rosa, branca, loira, de olhos azuis e cabelo liso; o mesmo para representar o sexo masculino, boneco loiro ou de cabelos castanho claro liso, branco, de olhos claros e com roupinha azul (é claro).  No geral, em sua grande maioria, o corpo de alunos é composto por crianças pardas ou negras, com cabelo crespos ou encaracolados e olhos escuros. Pensando na construção do sentimento de pertencimento e reconhecimento de si, por esse alunado dentro do ambiente escolar que estão inseridos, me questionei, todas as vezes em que estive presente nessas escolas, sobre qual a representação desses elementos indicativos em relação às crianças. Sob um olhar amplo, reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como a valorização da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõe a população brasileira; Também, requer a adoção de políticas educacionais e de estratégias pedagógicas de valorização da diversidade, afim de superar a desigualdade étnico-racial na educação em seus variados níveis escolares; exige que se questionem relações ético-raciais baseadas em preconceitos que desqualificam os negros e salientam estereótipos depreciativos, palavras e atitudes que expressam sentimentos de superioridade em relação aos mesmos; valorizar, divulgar e respeitar os processos históricos de resistência negra desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descendentes na contemporaneidade; exige buscar compreender seus valores e lutas, ser sensível ao sofrimento causado por tantas formas de desqualificação; implica criar condições para que os estudantes negros não sejam rejeitados em virtude da corda sua pele, do seu cabelo, da cor de seus olhos, menosprezados em virtude de seus antepassados terem sido explorados como escravos. Abro um parênteses para falar sobre uma angustia particular que me assombra e tenho certeza que é partilhada entre muitxs; AINDA não tenho um arcabouço rico pertinente as discussões sobre apropriação cultural, por isso, muitas vezes me questiono até onde eu, como mulher branca e cisgênero, tenho propriedade para levantar estes questionamentos ou conhecimentos, seja em sala de aula, seja fora dela. Pois bem, se pensar que nunca senti diretamente o quão cruel e repugnante pode ser passar por uma situação de preconceito racial explicito, de fato, apenas posso fazer proposições a partir de premissas imagináveis. Porém, ao refletir sobre a importância do meu trabalho como professora, educadora e o papel fundamental que todo educador desempenha na construção e desconstrução de conceitos presentes na personalidade de diversos indivíduos presentes no cotidiano escolar, chego a conclusão de que sim, posso e DEVO levantar tais questionamentos e trazer conhecimento histórico sobre a lutas etno-raciais passadas e presentes em nossa sociedade. Mesmo eu, sendo mulher branca e cisgenero, ao trazer essas questões posso contribuir para o empoderamento dessas crianças ou pré-adolescentes. Exemplificando, relato um momento que vivenciei em sala de aula:
Era 1ºano do ensino fundamental, escola publica e periférica, crianças entre 5 e 7 anos, majoritariamente pardas e negras. Foi uma aula sobre construção de poemas e autoria, levei o poema Pele Negra no intuito de que as crianças, também, pudessem acessar sua memória discursiva ao registrar oralmente quais as lembranças e os significantes presentes no poema lhes remetessem. Foi entregue uma copia impressa para cada um, de forma que todos pudessem acompanhar a leitura. Ao passo que fui fazendo a leitura dramática do poema percebi reações variadas nas crianças. Em se tratando de uma sala em que a grande maioria eram negras e pardas, quando o poema repetia ao final de todos os versos na parte A “sou preto”, tive a sensação de que eles iam tomando consciência de si, de sua cor, como quem diz “ eu sou preto também”. Aqui trago novamente a reflexão sobre que elementos representativos no ambiente escolar, em que esse corpo de aluno esta inserido, esta incutindo como padrão? As reações durante toda a leitura do poema me sugeriram que talvez eles nunca antes tivessem ouvido tão abertamente ou sem marginalização, sem o tabu costumeiro, o “ser preto” naquele ambiente. Quando eles repetiam “sou preto”, soava em tom “empoderado”, como quem diz “sim, eu sou preto”, com a leveza que o tabu social preconceituoso sob a palavra preto não permite. Entendo que, a escola, enquanto instituição social responsável por assegurar o direito à educação a todo e qualquer cidadão, deve se posicionar politicamente, contra toda e qualquer forma de discriminação.
Os alunos demonstraram ter gostado muito do poema, achando-o muito diferente de todos que já tinham visto. Abri para discussão das impressões causadas pela leitura, durante todo esse momento de reflexão, as crianças compartilharam experiências de discriminação vividas dentro e fora da escola. Também, houveram falas que reiteraram a sensação que tive, crianças diziam “Olha, eu sou preto” ou “O Joãozinho é preto”, tomando consciência de si e consciência dos outros à sua volta. A discussão abrangeu as características diversas que compõe as sociedades. Feita a problematização, falei sobre a estrutura de poema e compuseram coletivamente um outro poema, inspirados tanto no poema original, quanto nas impressões e sensações advindas do mesmo.   
Ou seja, reitero aqui a importância de se falar sobre, de questionar, de trazer as construções e discussões históricas pertinentes às lutas sociais. Pois luta pela superação do racismo e discriminação racial é tarefa de todo e qualquer cidadão, independentemente do seu pertencimento étnico-racial, crença religiosa ou qualquer posição política. Essa atitude, nada mais é, do que uma forma de respeitar os processos históricos de resistência negra desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descendentes na contemporaneidade.
             Agora, refletindo sobre os estereótipos de gênero, estando nossa sociedade hoje em um contexto de lutas e discussões sobre tais questões, quando a escola incute aos alunos que “meninas usam rosa e meninos azul”, incute automaticamente também a ideologia de que tudo o que foge à isso é errado e deve ser marginalizado. O conceito gênero foi um artifício teórico criado na segunda metade do século passado, para designar as construções sociais sobre o masculino e o feminino. Quando esse conceito foi apropriado por movimentos sociais como o movimento feminista se transformou em uma importante ferramenta analítica e política, com a finalidade de desnaturalizar as opressões de gênero, desconstruir verdades absolutas e imutáveis sobre mulheres e homens, derrubar falsas fronteiras que nos demarcam em estereótipos cruéis para os quais somos levados a acreditar desde pequenos, separando-nos em pequenas caixinhas que limitam nossas potencialidades, individualidades e perspectivas. Portanto, quando a instituição escolar impõe aos alunos a idéia da bonequinha de rosa para representar o sexo feminino e o bonequinho de azul representando o sexo masculino, impõe à seus educandos uma ideologia de gênero fundamentalista que imputa a natureza, a biologia e supostamente as características inatas dos indivíduos, à carga pesada e histórica de desigualdade entre homens e mulheres, cisgênero, que à grosso modo, acontece quando o individuo comporta o gênero social e o sexo biológico em harmonia, ou transgênero, quando o individuo transita entre as definições sociais de gênero, enfatizando que conceitos de gênero não são diretamente ligados à orientação sexual desses indivíduos.
Fecho minhas breves reflexões com o seguinte pensamento: Entre erros, receios e acertos, o aprimoramento. É desta forma que enxergo a necessidade de se conhecer, de se apropriar e de passar a diante a historia social cultural das lutas de movimentos como movimentos étnicos, de classe, questões de gênero ou sexualidade. Apenas dessa forma podemos trazer algum tipo de diferença para as pessoas à nossa volta. Encerro com o poema produzido pelas crianças do relato acima:



NÃO TEM PROBLEMA SER DIFERENTE

UM É BRANCO E O OUTRO É NEGRO.
UM É GORDO E O OUTRO É MAGRO.
AZUL, VERMELHO, ROSA, VERDE, VARIAS CORES.

ROSTOS DIFERENTES
NOMES DIFERENTES
TAMANHOS DIFERENTES
SINFONIA DE CARACTERISTICAS
SER DIFERENTE É BOM, PORQUE TUDO FICA MAIS LEGAL
E MUITO MAIS COLORIDO.
SE NÃO FOSSEM AS CORES, O MUNDO SERIA UMA CHATICE!


1ºB, E.E.HERMINIA GUGLIANO, MAIO DE 2016.

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