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quinta-feira, 15 de julho de 2021

PL do autocontrole: agronegócio quer enfraquecer fiscalização agropecuária do poder público e passar a se "autofiscalizar"

 

No ano de 2017, auditores fiscais do Ministério da Agricultura se reuniram em Brasília e fazem ato público para prestar esclarecimentos à sociedade sobre a importância do trabalho de fiscalização.
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

AGRICULTURA

Para ANFFA, da forma como está, PL 1293/21 impede os agentes federais de regularem e fiscalizarem a atividade agropecuária colocando o interesse privado acima da proteção da coletividade.

A Câmara dos Deputados está discutindo a implementação de PL que autoriza os produtores e a indústria a implantar programas de autocontrole sobre a segurança dos seus produtos e, praticamente, impede a ação dos auditores fiscais federais agropecuários de regularem e fiscalizarem a atividade.


O Projeto de Lei 1293/21, do Poder Executivo, que substitui a legislação atual de defesa sanitária por um novo modelo de fiscalização agropecuária, baseado em programas de autocontrole executados pelos próprios agentes regulados (produtores agropecuários e indústria), tramita na Câmara dos Deputados a passos largos.

 

De acordo com o governo, o PL do autocontrole atende uma exigência do mercado, dando maior autonomia e responsabilização aos fabricantes de insumos e produtos agropecuários, “permitindo que o Estado direcione as ações de controle para as atividades de maior risco”.

 

Todo o processo será “autoauditável”


Segundo o PL, os produtores e a indústria deverão implantar programas de autocontrole sobre a segurança dos seus produtos, contendo registros sistematizados e auditáveis de todo o processo produtivo, desde a recepção da matéria-prima até o produto final.

 

Os próprios produtores serão responsáveis pelas medidas para recolhimento de lotes em desconformidade com o padrão legal e os procedimentos de autocorreção, cabendo ao Ministério da Agricultura estabelecer os requisitos básicos necessários ao desenvolvimento dos programas de autocontrole e elaborar manuais de orientação para o setor produtivo. Os manuais de orientação serão realizados em parceria com as empresas, o setor privado responsável pelo autocontrole.

 

Programa de Incentivo à Conformidade em Defesa da Agropecuária

Para tratar dos procedimentos aplicados pela defesa agropecuária, o PL criará o Programa de Incentivo à Conformidade em Defesa Agropecuária. De acordo com o PL, a aceitação será de livre escolha,

mas quem aderir terá o benefício de não sofrer autuação, multa, caso cometa alguma irregularidade sanitária, bastando adotar as medidas corretivas indicadas na notificação. Outros incentivos ainda serão definidos em regulamento. 


Em troca, as empresas e produtores participantes deverão compartilhar com a fiscalização agropecuária, em tempo real, dados operacionais e de qualidade.

 

Registro


O projeto também prevê medidas voltadas ao registro e rotulagem de produtos por meio eletrônico. A ideia dos propositores da bancada ruralista é que o Ministério da Agricultura coloque à disposição este serviço para receber pedidos de registro, cadastro ou credenciamento dos estabelecimentos para a concessão dos documentos que possuam parâmetros ou padrões normatizados.

 

Multas


A proposta do governo também atualiza o valor das multas aplicadas nas infrações constatadas durante a fiscalização agropecuária. Inicialmente, o valor seria de até 150% do valor atribuído ao lote do produto, se este estiver identificado na natureza comercial da atividade e o valor especificado na nota fiscal ou fatura. Caso não esteja, a multa variaria entre R$ 100 e R$ 300 mil, conforme a classificação do agente infrator e a natureza da infração (leve, moderada, grave), sendo que, caso a multa fosse paga em até 20 dias, o valor seria reduzido em 25%. O texto também impõe regras às medidas cautelares que poderão ser aplicadas pelos auditores fiscais federais agropecuários e o processo administrativo de fiscalização agropecuária.


Deputado Domingos Sávio, relator da proposta na Comissão de Agricultura
Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados


Entretanto, nesta quarta-feira (14), relator do Projeto de Lei 1293/21, o deputado Domingos Sávio (PSDB-MG), anunciou, em audiência na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, a intenção de mudar a gradação das multas cobradas por quem descumprir normas de defesa agropecuária, além da diminuição substantiva no limite máximo a ser pago pelo infrator quando este tiver especificado o valor de seu lote.

A proposta do relator segue os interesses dos empresários do agronegócio e deve limitar o novo valor a R$ 50 mil.

Para o relator Domingos Sávio a punição não pode ser “exagerada”.


“A punição tem que estar presente, mas sem exagero. Em vez de termos três tipos de punição (leve, moderada e grave), estamos trabalhando para dividir em quatro grupos: leve, moderada, grave e gravíssima”.

 

ANFFA critica PL do autocontrole

 

Em nota publicada no dia 16 de abril, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Agropecuários criticou o PL 1293/21 da forma como está elaborado. De acordo com a ANFFA, garantir o cumprimento das legislações que cuidam da defesa agropecuária e dos compromissos internacionais assinados pela União, cabe exclusivamente ao poder público, ao Estado., É ele quem deve exercer o poder de polícia e, consequentemente, desenvolver as atividades de vigilância e defesa sanitária vegetal e animal, a inspeção e classificação de produtos de origem vegetal e animal, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico e a fiscalização dos insumos e dos serviços usados nas atividades agropecuárias.

 

“O PL 1.293/2021 define Defesa Agropecuária como“estrutura constituída de normas e ações que integram sistemas públicos e privados, destinada à preservação ou à melhoria da saúde animal, da sanidade vegetal e da inocuidade, da identidade, da qualidade e da segurança de alimentos, insumos e demais produtos agropecuários”. ‘A Fiscalização Agropecuária é definida como ‘atividade de controle, supervisão, vigilância, auditoria e inspeção agropecuária, no exercício do poder de polícia administrativa, com finalidade de verificar o cumprimento da legislação’. As duas definições expressam a completude da atividade e sua sujeição ao regime jurídico administrativo, de direito público, como expressão do poder de polícia e atividade exclusiva de Estado”.

 

Já existe o SUASA

 

O Sindicato afirma que a participação da sociedade organizada, dos interesses econômicos nas atividades de Defesa Agropecuária, com a intenção de promover a saúde, as ações de vigilância e defesa sanitária dos animais e dos vegetais já são organizadas no Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária - SUASA, do qual participam os serviços e instituições oficiais; os produtores e trabalhadores rurais, suas associações e técnicos que lhes prestam assistência; os órgãos de fiscalização das categorias profissionais diretamente vinculadas à sanidade agropecuária; e as entidades gestoras de fundos organizados pelo setor privado para complementar as ações públicas no campo da defesa agropecuária.

 

Para a ANFFA, a simples  previsão de programas de “autocontrole” não é inovação. É pressuposto para a sua adoção que haja meios efetivos de auditoria e controle por parte da Defesa Agropecuária, para manutenção de sua validade, e ressalvas para que

 

“[...]em nenhum momento o “autocontrole” possa impedir ou limitar a capacidade de atuação e intervenção do Poder Público.

Contudo, a simplificação administrativa, as limitações à atividade regulatória do Estado e a atuação da do setor privado em ações de defesa agropecuária não podem ser colocados acima do interesse público, e impedir o exercício de atividades de regulação e fiscalização, ou desautorizar seus agentes, colocando o jus imperium em segundo plano, quando necessário à proteção da coletividade”.

 

De acordo com o sindicato, sob o pretexto de colaboração, o PL 1293/21, na prática, autoriza o setor privado a invadir as prerrogativas e atividades exclusivas de Estado. A ANFFA afirma que os interesses privados não podem ser mais importantes do que o interesse público.

 

“Em lugar de adotar medidas de fortalecimento institucional aderentes aos princípios defendidos pelo TCU e compatíveis com a Constituição, o PL 1.293/2021, em alguns momentos, coloca em risco a separação de responsabilidades entre o poder público e a iniciativa privada e contribui para uma redução do papel da fiscalização, a pretexto de conferir maior capacidade de atuação dos agentes privados em atividades produtivas, cuja necessidade e importância é reconhecida, mas que não pode se dar à revelia da supremacia do interesse público.

O Anffa Sindical alerta: na forma proposta, o PL 1.293/2021 requer um exame mais aprofundado, à luz de riscos e danos à sociedade”.


Fontes: Agência Câmara de Notícias e ANFFA

Edição: Filipe Augusto Peres

 


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