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domingo, 10 de outubro de 2021

Theatro Pedro II, 91 anos. Eu vivi - Por Gusmão de Almeida

 



"Como é bonita a juventude".

Com essa frase me faço presente novamente neste veículo de comunicação denominado "Blog", mas que hoje já está em outros espaços aos quais não me arrisco, como um tal Instagram.

Outro dia um desses rapazes que fundaram este espaço me disse que já vão completar sete anos. Supimpa! 

Sei que há tempos não escrevo por aqui e nem em lugar algum. E não o faço por ausência de assunto, mas por pura falta de inspiração.

São tempos difíceis, como vocês sabem. Tempos onde o coração entristece e a pena seca.

E se isso é verdade para muitos ainda cheios de vida e disposição, imaginem vocês para um velho cansado como eu.

Fiquei recolhido vendo de dentro de casa a tragédia que nos abateu. Muito triste. Elegemos uma besta e ela nos deu um coice.

Mas sempre é tempo para uma injeção de energia. Aceitei o convite deste Blog para refazer um artigo sobre o Teatro Pedro II, que completa 91 anos.

O artigo original fora escrito em março de 2019 em plena efervescência da juventude, lutando bravamente contra os ataques do maléfico presidente contra a educação pública da qual sou fruto e à qual vi nascer lá pelos anos 1930.

A injeção de ânimo me pôs de pé e saí a caminhar. Desci pela rua Tibiriçá e dobrei a esquina da General Osório. E lá estavam a Esplanada e o Theatro a comporem o Quarteirão Paulista.

Sábado pela manhã e gente passando. Poucos reparavam de fato a beleza do espaço. Vi gente sentada na escadaria do Theatro, fugindo do Sol.

A Esplanada é do povo. Não há como negar.

A Esplanada é do povo, mas o Theatro, não.

É isso.

É o retrato da cidade, o retrato do país, o retrato de sempre.

Já escrevi aqui que tenho com o Theatro Pedro II uma relação um tanto distanciada (*leiam: O Teatro Carlos Gomes e uma Praça Vazia), pois me faz recordar a tragédia do Carlos Gomes.

Desde que foi reformado, no início dos anos 1990, o espaço é frequentado pelo pessoal da zona sul, aquela região da cidade que ganhou importância a partir dos anos 1980 e hoje é a "Meca" dos condomínios "fechados".

Já o povo, que diariamente passa pelo centro e pela Esplanada, sempre esteve e está ausente do Pedro II.

A relação entre o ribeirão-pretano e o Teatro é de admiração à distância. E a distância aumenta todas as vezes que a desigualdade social e a concentração de riqueza crescem, como agora.

Aliás, povo, infelizmente, é o que sempre faltou ao ambiente cultural de Ribeirão Preto, com boas e raras exceções.

O Theatro e a cidade são envolvidos por uma aura que mistura o passado dos barões do café com o presente de uma classe média condomínio "fechado" com pose de "cult" presente, inclusive, na gestão do que hoje se chama Fundação Pedro II.

Mas, afinal de contas, qual é a história do Theatro Pedro II? Ele sempre foi assim?

Não tenho tanta idade para dizer que vi tudo com meus olhos mas posso afirmar: nem sempre.

Sua concepção se deu em 1928 e sua inauguração em 1930. E, claro, representava a Ribeirão Preto da "belle époque" cafeeira, quando Ribeirão era chamada de "cidade do entretenimento". Fruto dos cassinos e da vida noturna, comandada pelo francês Francisco Cassoulet e suas meninas (o "moulin rouge" do sertão).

Era a época onde a mística afirma que os "barões do café" acendiam cigarro em notas de "mil réis" e onde a Cervejaria Paulista (sob o comando de Meira Júnior) investiu num monumento que completaria um arco cultural em torno da Praça XV, tendo do outro lado da Praça o também lindo (e já demolido, arre!) Teatro Carlos Gomes.

Ocorre que 1930 marca exatamente o ano do início da bancarrota dos cafeicultores e o monumental Pedro II serviu por um curto período a uma elite já decadente e que vivia mais de aparecer do que ser.

Os próprios arredores da praça XV ganharam ares populares, com a entrada do comércio onde antes eram somente os casarões do café.

Segundo nos ensina Rubem Cione, magnífico historiador da cidade, a memória dos tempos dos coronéis já não interessava mais nos idos dos anos 1940 e a Prefeitura não gastaria dinheiro para manter suas estruturas.

As décadas da "modernidade" (quando a perda de relevância em nível nacional fez a cidade olhar para si mesma), iriam reservar outro destino ao Pedro II. Se bem que um destino melhor do que o outro, mais antigo e com arquitetura mais sóbria, do escritório Ramos de Azevedo, o Teatro Carlos Gomes, derrubado em 1946.

Mas já estou eu novamente derramando mágoas no texto.

Sigamos.

O que importa à esta história é que a estrutura predial do Pedro II sobreviveu à sanha demolidora que tomou conta de Ribeirão nos anos 40, 50 e 60, mas o "glamour" do café acabou.

A partir dos anos 50, Ribeirão Preto começa a passar por uma reestruturação pressionada pelo avanço da indústria do automóvel, que além do sistema ferroviário (que será tema de um artigo específico), investiu contra um passado superado em nome da "modernidade".

Isso, caro leitor, eu posso dizer que vi pessoalmente.

Por ironia, os anos que englobam as décadas de 50, 60 e 70 foram os únicos onde o povo de fato frequentou o Theatro (e não era para ver teatro). O Pedro II passou a ser usado pelo povo, no seu salão de jogos e nos bailes de carnaval no seu sub-solo (a "caverna do diabo" ou a "panela de pressão"), além do cinema que ali funcionou.

Não que nessas décadas tenha havido uma vida cultural fértil na cidade, pois não houve. Mas eram os anos de uma juventude em ebulição no mundo e a vida social da cidade era feita no centro, incluindo os bairros próximos à região central. Ou seja, todo mundo vivia o centro da cidade.

Eu namorei, noivei e me casei no centro da cidade.

Políticos, artistas, estudantes, enfim, todos viviam a esquina da Única, a Sociedade Dante Alighieri, a Casa de Portugal (na praça Tiradentes, hoje estacionamento público e local do magnífico Bar do Márcio, a melhor tilápia da cidade), o Mercadão, as ruas José Bonifácio, Saldanha Marinho e São Sebastião, o cine Centenário, a Praça XV , o Pinguim (na sua sede antiga) e, claro, o Teatro Pedro II.

Com o tempo, a vida social do centro foi se acabando, só restou a vida comercial. O centro se tornou um local de passagem e compras e o Pedro II foi sendo totalmente abandonado. Sem falar da "Baixada" (tema de um futuro texto).

Adendo: vejam, estou prometendo escrever outros textos e nem sei quando vou cumprir.

Regressamos à história.

Essa época começou a revelar a vertente excludente de nossa era que alguns brilhantes jovens analistas chamam de neoliberal. A vida em praça pública, o uso comum dos espaços está sendo trocado por Shoppings Centers e condomínios "fechados" assim como as rodas de conversa estão sendo substituídas pelas tecnologias via celular.

Há alguns anos, quando o Pedro II completou 84 anos, eu ouvi a então Secretária da Cultura, digna representante da elite zona sul, se referir a esta época como "uma fase decadente do Pedro II". Bom, correto, mas decadente porque o poder público não dava nenhuma bola para ele e não porque quem o frequentava na época era o povo.

A verdade é que nessa fase popular, o povo utilizava o Pedro II como era possível e até quando foi possível: um incêndio atingiu o prédio em 1980 e quase o destruiu.

Aqui cabe abrir outro parêntese.

Ribeirão tem 3 teatros de renome: o Pedro II (no centro) e dois no Morro de São Bento (o Arena e o Municipal), ambos de 1969, no conhecido processo de "modernização" da cidade. Em todos eles se apresentaram os mais importantes artistas e são, de fato, patrimônio histórico e cultural da cidade, além de lindos.

Mas este velho pergunta ao leitor mais atento: quando foi que Ribeirão Preto teve uma política cultural popular que abrangesse a utilização desses três próprios municipais? Quando que o teatro, como arte, foi algo que integrasse um projeto amplo de cultura popular?

Aqueles que trabalham com teatro são heróis abnegados que lutam todo dia quase sem apoio nenhum. E o povo não tem, quase que de forma alguma, o teatro e os espetáculos culturais à sua disposição.

E soube que paira sobre a cidade a ameaça de terceirização dos teatros Municipal e de Arena. Terrível.

Fecha parêntese.

Tombado em 1982, o Pedro II só conseguiu ser reformado entre 91 e 96, com nova cúpula, sala dos espelhos e tudo mais.

O que se esperava era que não só o Pedro II restaurado mas todo o ambiente cultural pudesse ter uma nova cara na cidade. A construção de um calçadão podia ter marcado uma nova etapa de resgate da vida social no centro.

Mas, infelizmente, isso não aconteceu.

O centro não foi recuperado e o funcionamento do Pedro II não se encaixou em um projeto de recuperação da região.

Por isso, o Pedro II, nas suas noites de espetáculo, é frequentado por pessoas que quase nunca frequentam o centro. Os carrões ficam nos estacionamentos particulares e no máximo, ao final do espetáculo, vão ao Pinguim (alguns, como eu, vão ao "Dr. Linguiça").

Tristemente, com peças de teatro e espetáculos como óperas e concertos, o povo fica de fora e o Pedro II volta a ser uma bolha elitista imersa em um centro popular e decadente.

Eu sou um velho ranzinza, não consigo aceitar que o espaço cultural de uma cidade seja pensado de forma restrita, de forma a não absorver expressões populares. Ou será que a arquitetura do Pedro II e do "quarteirão paulista" não combina com o povo? Antes, o Teatro era patrimônio da Cervejaria Paulista, mas hoje é um patrimônio público e deve ser isso, público. E mais, deve estar englobado em um amplo projeto de recuperação do centro, onde não apenas a ACI e os poderosos lobistas da construção civil e os "cults" devem opinar, mas o povo também deve participar e opinar.

O Teatro Pedro II permanece apartado da cidade à qual pertence, assim como o povo de Ribeirão Preto permanece apartado da cidade em que vive.

Não sei de onde virão, mas Ribeirão Preto precisa de novos oxigênios políticos, Ribeirão Preto precisa se discutir, se enxergar, para quem sabe no aniversário de 100 anos do Pedro II todos possam estar de fato participando ativamente de um ambiente cultural realmente democrático, na Esplanada, dentro dele e em todo lugar.

Foi nisso tudo que voltei pensando ao subir a rua Álvares Cabral e comprar uma garapa na tradição do velho João, o Garapeiro.

Volto em breve. Prometo.

Saudações.

Gusmão de Almeida

Um comentário:

Unknown disse...

Magnífico texto Gusmão de Almeida. Em suas palavras vaguei pela história e cenários históricos da nossa querida e excludente Ribeirão Preto.

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