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sexta-feira, 28 de maio de 2021

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E POLITICAMENTE CORRETO - por Matheus Arcaro


        Há tempos venho pensando neste binômio. Primeiramente, reflitamos sobre a liberdade de expressão.  John Locke, pensador-base para o liberalismo, é um dos grandes precursores de tal noção. Para ele, a liberdade de expressão é o alicerce do Estado Democrático de Direito.

É óbvio que ninguém a favor da censura deve ser levado a sério intelectualmente. Contudo, não basta simplesmente dizer que é preciso defender a liberdade de expressão. Este é um caminho fácil, que não requer raciocínios mais sofisticados.  Duas perguntas fulcrais: devemos sustentar a qualquer custo a liberdade de se expressar? Quando falamos em liberdade de expressão, na verdade, estamos falando em liberdade de quem?

Sobre a primeira pergunta. O caso hipotético de uma manifestação neonazista nos apresenta uma ilustração válida: deve-se resguardar o direito de expressão, mesmo quando se trata de uma ideologia de morte? Deve-se amparar o direito daqueles que fazem, na mídia, apologia a manifestações deste gênero?

Para a nossa reflexão, não precisamos de casos extremados: um comunicador tem o direito de, por exemplo, fazer piadas sobre homossexuais e mulheres em TV aberta? Ah, dirão os defensores da liberdade, a própria audiência o puniria; as pessoas cessariam de assistir ao programa deste apresentador e ele, por uma lei de mercado, cairia no ostracismo. Os que defendem tal liberdade, em verdade, apoiam-se em dois substratos metafísicos, a saber: (i) no sujeito puro do conhecimento (acreditam que todos os telespectadores têm condições de se defender intelectualmente e que o ser humano está isento de manipulação) e (ii) na linguagem neutra, como veículo do ser e da verdade.

Sobre a segunda pergunta. Não é preciso muita inteligência para perceber que não há liberdade de expressão para as minorias (negros, indígenas, mulheres, comunidade LGBTQI+ etc.) na mesma medida em que há para os homens brancos heterossexuais. Quem detém o “lugar de fala” (sobretudo nos meios de comunicação de massa) e, por conseguinte, constrói o imaginário social não são os primeiros. Quando vemos uma lésbica, por exemplo, num programa televiso, trata-se de uma exceção, de algo a ser comemorado como uma “abertura de espaço”. É como se dissessem: “Olha, deixamos você falar, então você nos deve um favor!”

Eis que entramos na questão do “politicamente correto”. Ultimamente, tem-se usado esta fórmula para disseminação de ódio e discriminação. O próprio Locke, defensor da liberdade de expressão, apresenta em seu livro um discurso de ódio contra os que negam a existência de Deus. Outro dia ouvi um colega professor dizendo: “Não se pode mais fazer piada em sala de aula. Esse politicamente correto é uma merda”. Quem conhece tal professor sabe bem as piadas que ele fazia envolvendo homossexuais e mulheres. Metonimicamente, podemos refletir que, quando se fala em “politicamente correto”, na verdade, tem-se em mente o oposto. Afinal, ser politicamente correto, levando em consideração quem detém o “lugar de fala” no Brasil é ser politicamente incorreto; é agir de maneira contrária ao modo de pensar imposto pela ideologia dominante e excludente.

*Matheus Arcaro é mestre em Filosofia Contemporânea pela Unicamp. Pós-graduado em História da Arte. Graduado em Filosofia e também em Comunicação Social. É professor, artista plástico, palestrante e escritor, autor do romance O lado imóvel do tempo (Ed. Patuá, 2016), dos livros de contos Violeta velha e outras flores (Ed. Patuá, 2014) e Amortalha (Ed. Patuá, 2017) e do livro de poesia Um clitóris encostado na eternidade (Ed. Patuá, 2019). Também colabora com artigos para vários portais e revistas.

site: www.matheusarcaro.art.br

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